
A escola cervejeira belga é reconhecida mundialmente por sua diversidade de estilos, métodos tradicionais de produção e um legado que remonta a séculos. Neste post, vamos explorar o que torna os estilos de cerveja belga tão especial e por que ela continua a encantar paladares ao redor do globo.
Um pouco de história
Durante o Império Romano, na região conhecida como Gália, atualmente França e Bélgica, os habitantes da região já produziam sua própria cerveja, que já era bem diferente das cervejas mais consumidas pelos romanos.
As cervejas ainda eram produzidas domesticamente. E, com a queda do Império Romano e a ascensão da Igreja, começaram a surgir monastérios por todas as regiões. Muitas cervejarias belgas surgiram em mosteiros, onde monges produziam cerveja não apenas para consumo próprio, mas também como forma de sustento. (A History of Beer and Brewing – Ian Spencer Hornsey).
Ao longo dos anos os monges aprimoraram suas técnicas e faziam cervejas rebuscadas, complexas em questão de aroma, sabor e teor alcoólico. As cervejas podiam ser feitas com cereais, frutas, mel, e outros temperos. A criatividade podia ser usada.
Essa tradição monástica deu origem a alguns dos estilos mais icônicos do país, como as Trappist e as Abbey beers.
Abadia x Trapista

As cervejas trapistas são cervejas feitas de acordo com as premissas religiosas dos monges beneditinos da Ordem Cisterciense da Estrita Observância, uma congregação católica que obedece à Regra de São Bento – mais conhecida como Ordem Trapista. Em resumo, essa ordem pregava (e ainda prega) uma vida voltada à obediência, ao silêncio e à renúncia, tendo como lema ora et labora (“reza e trabalha”).
Durante a metade do século XX, as cervejas produzidas pelos monges trapistas começaram a inspirar outros produtores mundo afora. Ao replicar as receitas dos trapistas, esses outros produtores passaram a usar o termo “cerveja estilo trapista” ou “tipo trapista” nos rótulos, mesmo sem nenhum vínculo com a Ordem.
Para que isso não ocorresse mais, em 1962, uma lei da Câmara Belga do Comércio decretou que cerveja trapista seria somente aquela que é produzida por monges cistercienses, e não uma cerveja no estilo trapista. Estas últimas deveriam ser denominadas “Cerveja de Abadia”.
Sendo assim, podemos dizer que:
- Trapista não é um estilo, e sim uma denominação controlada de origem.
- Para ser considerada Trapista, a cerveja precisa ser fabricada em um dos mosteiros da Ordem Trapista, seguindo estritamente determinados preceitos como: a cerveja deve ser fabricada dentro das paredes do mosteiro trapista pelos próprios monges ou sob a sua supervisão; a cervejaria deve ser subordinada ao mosteiro e deve ter uma cultura empresarial condizente ao projeto de vida monástica; a cervejaria é quase filantrópica, sem fins lucrativos. Os recursos são para o sustento dos monges e para a preservação da abadia. O dinheiro que sobra é usado para causas sociais ou doado para pessoas carentes. A cerveja trapista é de uma qualidade impecável, que é controlada permanentemente. Há um selo de denominação de origem, para fins de identificação.
- Cervejas que não são fabricadas nos mosteiros da Ordem Trapista, mas seguem os métodos de fabricação similares e acompanham a linha de estilos considerados, são denominadas Cervejas de Abadia. Podem inclusive conter tal designação no rótulo.
- Toda cerveja Trapista é de Abadia, mas nem toda cerveja de Abadia é Trapista.
Existem mais de 170 mosteiros trapistas no mundo, porém, apenas 11 deles têm o selo de autenticidade da Associação Internacional Trapista (ATP), ou seja, que podem chamar sua cerveja de Trapista.
Uma curiosidade é que a La Trappe, umas das mais tradicionais cerveja Trapistas é conhecida tanto por ser da Escola Belga, que muitos acham que ela fica na Bélgica. Mas, ela fica na Holanda!
Os onze monastérios estão assim distribuídos:
- seis na Bélgica: Rochefort (Namur), Achel, Orval, Westmalle, Vleteren Oester (Westvleteren, Chimay; sendo as principais cervejas Dubbel, Tripel, Quadrupel, Belgian Ale,
- dois na Holanda – Abadia de Koningshoeven – cerveja La Trappe, Abdij Maria Toevlucht (em Klein-Zundert)
- uma na Áustria – Engelszell
- uma na Itália – Abadia das Três Fontes (Roma)
- uma na Inglaterra – Mount St Bernard Abbey (Tynt Meadow)
- uma nos Estados Unidos – St. Joseph’s Abbey (Spencer- Massachusetts) – Única fora da Europa.
Países
Essa escola, apesar de ser chamada de Escola Belga, a forma correta de denominá-la é Escola Franco-Belga. Estão inclusos os seguintes países nessa escola: Bélgica, Norte da França e Holanda.
Os belgas e suas taças

Mesmo em um território tão pequeno, a Bélgica se destaca dentre os três países, reconhecida como o “paraíso cervejeiro”. Talvez, por isso, denominem apenas como Escola Belga. São mais de mil cervejarias espalhadas por todo o país – muitas delas com centenas de anos de existência. Por lá, a cerveja é tão levada a sério que, a maioria dos pubs só servem as cervejas no copo da própria cervejaria da qual você pediu. Por exemplo, se você pedir uma cerveja da Orval, se não tiver o copo da Orval disponível naquele momento, eles não te servem a cerveja. Você tem que escolher outra cerveja que tiver com o copo disponível.
Para eles, cerveja é uma tradição, tanto que a Unesco declarou a cultura cervejeira belga como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Curiosidade: Uma cervejaria belga famosa é a Delirium, famosa cerveja do elefantinho cor de rosa. O bar da cervejaria, o Delirium Café, que fica em Bruxelas, conta com uma carta com mais de dois mil rótulos de cervejas. Por isso, ele foi parar no “Guinness Book of Records” como o bar com mais cervejas do mundo.

CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA BELGA
Apesar de sua profunda tradição, a escola cervejeira belga também é conhecida por sua inovação e criatividade. Muitas cervejarias belgas não têm medo de experimentar novos ingredientes, técnicas de fermentação e combinações de sabores. Isso resultou em uma cena cervejeira dinâmica, onde cervejas tradicionais coexistem com criações modernas e ousadas. Para essa escola, o céu é o limite. É possível achar estilos de cervejas fermentadas em barris de carvalho, ou que usam várias especiarias frutas, sementes, flores e leveduras selvagens. Além disso, existe, ainda cervejas feitas pelo método de champenoise e até algumas parecidas com vinho e espumante, que são os casos das Lambics. Totalmente diferente da Escola Alemã, que não permite sair do comum.
Características principais: O maior segredo das belgas é a levedura. Como já dito, a escola cervejeira belga é conhecida por sua diversidade, tradição e criatividade, resultando em cervejas complexas e únicas. O uso de leveduras expressivas é uma de suas principais características, gerando aromas e sabores frutados e condimentados. Além disso, muitos estilos belgas apresentam alto teor alcoólico, equilibrado pelo uso de açúcares especiais. O amargor é moderado, permitindo que os sabores da levedura e dos maltes se destaquem. A fermentação pode ser de alta temperatura (Ales) ou espontânea, como nos estilos Lambic e Gueuze. Entre os estilos mais icônicos estão a Tripel, Dubbel, Saison e Witbier, cada um com características marcantes.
A combinação de tradição e inovação faz da escola belga uma das mais respeitadas no mundo cervejeiro e é um verdadeiro tesouro para os amantes de cerveja. Seja você fã de cervejas leves e refrescantes ou de estilos complexos e encorpados, a Bélgica tem algo para todos. Então, da próxima vez que você estiver em busca de uma experiência cervejeira autêntica e memorável, não deixe de explorar as maravilhas da cerveja belga. Saúde!
Exemplo de alguns estilos de cervejas dessa escola:
Belgian Blonde Ale: há um equilíbrio entre dulçor maltado, leve frutado e especiarias da levedura belga, com um corpo médio e final seco. É uma cerveja acessível e fácil de beber, sendo uma ótima introdução ao estilo belga.
Belgian Dark Strong Ale: apresenta aromas e sabores ricos, incluindo notas de frutas escuras (ameixa, uva-passa, figo), caramelo, toffee e especiarias, muitas vezes provenientes da levedura belga. Apesar de ser intensa, mantém equilíbrio entre dulçor, álcool e carbonatação, resultando em uma bebida encorpada, mas surpreendentemente fácil de beber.
Belgian Dubbel: Seu nome foi dado em função dela ser bem mais forte que as tradicionais Ale consumidas nos mosteiros da época. Tem um rico perfil maltado, com sabores de caramelo, toffee e frutas escuras (ameixa, uva-passa, figo), equilibrados por um leve dulçor e um final seco.A levedura belga contribui com notas sutis de especiarias e um toque frutado, enquanto o amargor do lúpulo é baixo, permitindo que os maltes sejam os protagonistas. É uma cerveja complexa.
Belgian Trippel: Se comparadas às Belgian Dubbel, as Belgian Tripel são ainda mais fortes. Seu perfil é dominado por notas frutadas (banana, pera, maçã) e condimentadas (cravo, pimenta branca), resultantes da fermentação com leveduras belgas. Apesar de sua cor dourada e aparência delicada, é uma cerveja potente, com carbonatação elevada e um leve dulçor maltado equilibrado pelo amargor sutil do lúpulo. É um dos estilos mais icônicos da escola belga.
Belgian Quadruppel: O estilo Quadrupel não é oficialmente reconhecido pelos principais guias de estilo, como o BJCP (Beer Judge Certification Program) e o Guia de Estilos da Brewers Association (BA). No BJCP, as Quadrupels geralmente se enquadram na categoria “Belgian Dark Strong Ale”, que abrange cervejas belgas escuras, fortes e complexas, como as produzidas por abadias e trapistas. O termo “Quadrupel” foi popularizado pela cervejaria holandesa La Trappe nos anos 90 para descrever uma versão ainda mais intensa da Belgian Dubbel e Tripel, mas ele não é um estilo. Sua principal característica é a intensidade maltada e alcoólica, com sabores ricos de caramelo, toffee, frutas escuras (uva-passa, ameixa, figo) e um toque de especiarias da levedura belga. Possui um teor alcoólico elevado (9%–14% ABV), proporcionando uma sensação aquecedora, mas bem equilibrada pelo dulçor residual e pela carbonatação moderada. O corpo é encorpado, e o final pode ser levemente seco, deixando uma impressão licorosa e complexa. É uma das cervejas mais robustas da escola belga, conhecida por sua profundidade de sabor e sofisticação.
Belgian Witbier: É a cerveja de trigo belga. A principal característica é sua leveza e refrescância, combinando notas cítricas, condimentadas e um toque de dulçor do trigo. Tradicionalmente, é aromatizada com coentro e casca de laranja, o que adiciona complexidade ao seu perfil sensorial. Eu adoro essa! Ótima pedida em dias quentes.
Belgian Lambic: é sua fermentação espontânea, que utiliza leveduras e bactérias selvagens presentes no ambiente, resultando em uma cerveja complexa, com acidez marcante, leve funk e notas terrosas. É envelhecida em barris de madeira, desenvolvendo sabores que podem incluir toques de frutas, couro, feno e vinho branco. As que tomei, não curti muito, pois achei bem parecida com espumante.
Dica Mineira de cervejas que seguem a Escola Belga:
Belgian Blond Ale: Frei Galdi da Cervejaria Fürst
Belgian Dubbel e Quadrupel: Cervejaria Wäls
Belgian Tripel: Inocência da Krugbier
Witbier: Cervejaria Breedom
Bière de Garde: Saint Hilaire da Uaimií
Fonte: Site Vem do Malte / Site Revista Deguste





