Nas últimas semanas, o Brasil acendeu um alerta de saúde pública após casos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas. O assunto tomou conta das redes e muita gente ficou em dúvida: será que existe risco na cerveja? Neste texto, reuni informações e falas de especialistas para esclarecer esse ponto e mostrar por que as cervejas continuam sendo seguras.

Depois de pesquisar bastante e assistir a vídeos de especialistas, como farmacêuticos e químicos, reuni aqui as principais informações para esclarecer esse tema. Não me aprofundarei em detalhes técnicos, pois sou sommelière de cerveja e não tenho conhecimento das demais especialidades, mas deixarei indicações de conteúdos para quem quiser entender ainda mais. E, como aqui o foco é cerveja, vou focar mais nela.
Casos recentes no Brasil
O número de notificações de intoxicação por metanol subiu para 225, com 15 óbitos registrados (dos quais 13 ainda sob investigação), segundo balanço do Ministério da Saúde divulgado no último domingo (5/10). A maior parte dos casos, incluindo as duas mortes confirmadas, está em São Paulo.
A Polícia Civil de São Paulo investiga se os casos de intoxicação por metanol têm como origem garrafas de bebidas destiladas higienizadas com a substância. Esta é a principal linha de investigação das autoridades. Um homem apontado pela polícia como um dos principais fornecedores de materiais para a produção de destilados adulterados foi preso. As investigações revelaram que o detido criou uma rede para comprar garrafas de whisky, vodka e gin. Apontou também que ele era responsável pela lavagem dos vasilhames e, na sequência, pela recolocação de rótulos falsificados, tampas, selos de autenticidade e todos os itens para compor embalagens similares às originais.
Os policiais recolheram todo o material e estimam que foram apreendidas 20 mil garrafas. O responsável foi autuado por crimes contra a propriedade industrial e contra às relações de consumo.
Para os investigadores do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o comércio clandestino de bebidas funciona como um ciclo: há os falsificadores (destilarias clandestinas) que envasam as garrafas e, intermediariamente, há os criminosos que compram as garrafas, realizam a limpeza, rotulação e tampam as mercadorias para serem vendidas.
Agora que contextualizei, vamos lá!
Metanol x etanol: entenda a diferença
O metanol é um álcool, assim como o etanol — o que consumimos nas bebidas. Ambos são incolores, inflamáveis e têm cheiros semelhantes, o que dificulta diferenciá-los.
Mas há uma diferença essencial: o metanol é extremamente tóxico e não deve ser ingerido.
No corpo, ele é transformado em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que podem causar cegueira, falência de órgãos e até morte.
Como o metanol aparece nas bebidas
Quando se pensa em produção de bebidas com metanol, aquelas que mais oferecem risco de conter metanol em níveis perigosos são os destilados, como whisky, gin e vodka, principalmente, quando produzidos de forma clandestina. Elas são mais vulneráveis porque seu processo e valor tornam a adulteração mais atrativa para criminosos.
Segundo Thiago Carita Correra, doutor em química e professor do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da USP, em entrevista concedida para o Uol, o metanol pode surgir em bebidas alcoólicas por erro no processo de produção ou por adulteração proposital.
Metanol nos destilados
Acidentalmente
O metanol pode aparecer nas bebidas destiladas por erros em processos de destilação, quando partes da bebida que contêm metanol não são corretamente separadas. Isso porque o metanol é gerado, naturalmente, durante o processo de fermentação da bebida alcoólica, porém ele precisa ser devidamente descartado. Concentrações extremamente baixas, de forma residual, até podem permanecer, mas inferiores às necessárias para causar a intoxicação, que já são baixas. O processo deve ser rigoroso, já que apenas 10 ml da substância já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto.
Quer entender melhor sobre esse corte correto que deve ser feito durante a produção do destilado?
Propositalmente
Ana Elisa Gonçalves, PhD, Farmacêutica e Doutora em Ciências Farmacêuticas, na sua aula publicada no perfil do Instagram @alemdafarmacologia, explica que esse metanol pode ser mantido na bebida destilada de propósito, para reduzir os custos. A medida que a bebida fica na fervura, o metanol vai evaporando, porém diminui o rendimento da bebida. “Fábricas clandestinas que produzem bebidas alcoólicas, para aumentar seu lucro, acabam usando parte da fração contaminada que pode ter uma quantidade de metanol presente o suficiente para ser tóxico ou letal. Eles deixam de fazer o corte adequado na bebida para ela render mais”, explica Ana Elisa. E finaliza explicando quanto mais vezes a bebida for destilada, mais pura ela é.
Clique aqui para ver o vídeo divulgado na íntegra.
Nesta parte proposital, alguns veículos de comunicação têm falado sobre a hipótese de estarem colocando metanol no lugar do etanol por ser um produto mais barato, mas, segundo Jamal Abd Awadallak, não é um produto barato e nem fácil de conseguir.
E ainda, tem a hipótese que já citei anteriormente, da investigação da Polícia Civil de São Paulo sobre o uso de metanol na higienização de garrafas.
Até agora, não se tem nada concreto. Apenas especulações.
E as bebidas fermentadas como a cerveja, chope e vinho?
Para professor André Ricardo Alcarde, especialista em ciência e tecnologia de bebidas da ESALQ/USP, eem entrevista ao G1, a adulteração com metanol é improvável em bebidas fermentadas como cerveja e vinho, pela própria natureza do processo produtivo.
Metanol na cerveja: o que dizem os especialistas
Diversos especialistas confirmam que a cerveja não apresenta risco significativo de contaminação por metanol. Como é uma bebida fermentada, não destilada, os níveis da substância gerados naturalmente são mínimos e seguros. Além disso, não existiria ganho econômico em inserir o metanol (que é uma das hipóteses especuladas) já que a cerveja, em comparação aos destilados, é um produto mais barato.
O metanol pode ser liberado durante a fermentação por enzimas (pectinases) que agem sobre a pectina presente em frutas, mas o processo da cerveja não utiliza essas enzimas de forma a gerar grandes quantidades de metanol.
A Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) explica, em nota publicada no seu perfil no Instagram, que pode haver formação de quantidades mínimas de metanol em fermentações contendo matérias-primas com componentes ricos em pectina, como cascas de frutas ou frutas. Porém, a quantidade de fruta usada é apenas um complemento, não é a base da cerveja. Segundo a Abracerva, algumas pesquisas apontam níveis inferiores ao limite de detecção durante a produção, o que garante a segurança para o consumo da bebida.
No comunicado, a associação informa que, em estudos sobre contaminação alcoólica, observa-se que concentrações de metanol em cervejas são tipicamente da ordem de 6 mg/L (miligrama por litro) a 27 mg/L. Esses valores são considerados absolutamente seguros conforme padrões internacionais, complementa.
O texto expõe que, nos casos da concentração típica máxima de 27 mg/L de metanol em cervejas, seria necessário o consumo diário de 296,3 litros da bebida para atingir o limiar de toxicidade de 8 gramas por dia.
Ainda de acordo com Jamal, a cerveja artesanal comum é muito segura, muito mais segura que qualquer outra bebida, por alguns motivos como a fermentação ser feita de forma controlada, ou seja, a levedura inserida não tem capacidade de produzir a enzima necessária para a produção de metanol, tem o pH baixo e tem baixo teor alcoólico, a quantidade de metanol é proporcional ao mosto fermentado, ao álcool gerado, ou seja, insignificante. Além disso, em estudo feitos, o nível de metanol na cerveja é menor que do suco de maçã.
E a falsificação de cervejas?
Ainda falando de cerveja, vão aparecer aqueles que vão falar da falsificação das cervejas industrializadas já registrada. Todos os casos que eu vi até hoje foram casos em que houve a alteração do rótulo e tampa das garrafas. Ou seja, criminosos pegam cervejas mais baratas e trocam os rótulos e as tampas para uma cerveja mais cara.
Por isso, também acredito ser mais difícil a hipótese de ter metanol na cerveja por motivo de lavagem da garrafa, como a polícia está investigando no caso das garrafas de destilados. No caso da cerveja, é muito mais barato apenas trocar o rótulo.
E o caso Baker?
Também vão falar do caso Backer. Naquele caso foi falha no processo industrial. Houve um vazamento de dietilenoglicol de uma serpentina (que estava furada) que refrigerava um dos tanques de cerveja, resultando na contaminação do produto. Ou seja, não teve relação com metanol nem com adulteração proposital.
Quer entender melhor? Indico a leitura dessa matéria: Intoxicação por metanol: caso é diferente do ocorrido com a Backer, em BH.
Latas são mais seguras
Se, mesmo com todas as informações, você ainda se sente inseguro, prefira cervejas em lata, que apresentam um processo de fechamento mais sofisticado em comparação com as garrafas, o que pode dificultar eventuais adulterações.
Segundo o professor do curso de Gastronomia do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e especialista em bebidas, Carlos Henrique de Faria Vasconcelos, em sua entrevista concedida à Itatiaia, as embalagens em lata oferecem uma proteção extra. “Os produtos enlatados são menos preocupantes porque, uma vez aberta, a lata não pode ser reaproveitada. O risco de adulteração nesse formato é menor, já que uma parte importante da cadeia de adulteração passa pelo reaproveitamento de garrafas”, explicou.
Essa recomendação vale também para quem consome destilados, já que é possível encontrar diversos produtos em lata como drinks prontos com vodka. Além disso, é possível achar vinho e até espumantes em lata.
Metanol no vinho
O metanol pode aparecer em pequenas quantidades nos vinhos, por causa da fermentação das cascas das frutas ricas em pectina.
Esses níveis são naturais e regulamentados, sem oferecer risco à saúde.
Orientação oficial
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reforçou na quinta-feira (2) a recomendação de evitar principalmente os destilados, sobretudo os incolores, destacando que não são produtos essenciais.
“Recomendo na condição de ministro da Saúde, mas também como médico: evite, neste momento, ingerir um produto destilado, sobretudo os incolores, que você não tem a absoluta certeza da origem dele.”, afirma Padilha
Por fim, até o momento, foi divulgado que apenas produtos destilados foram adulterados, nenhum caso envolvendo cerveja. Tantos nas apreensões feitas pela polícia, quanto nos relatos dados pelas famílias das vítimas.
O que eu penso
A adulteração com metanol é um problema sério, mas, até o momento, restrito a bebidas destiladas ilegais. A gente sabe que, se tratando de Brasil, não se deve “colocar a mão no fogo” por ninguém, por isso, não vou afirmar aqui que a cerveja está 100% segura até que acabem as invstigações. As informações que temos até o momento estão aí, vai de cada um escolher o que fazer com elas e seguir sempre o recomendado que é procurar por produtos que você já conheça, que sabe da procedência. Eu vou continuar tomando as cervejas artesanais que confio e torcendo para que isso tudo se resolva logo.
Ainda assim, vale o lembrete: toda bebida alcoólica deve ser consumida com moderação. Informação e responsabilidade são as melhores defesas de quem aprecia uma boa cerveja.
Fontes: CNN, O Globo, O Tempo, G1, portal Jornal Estado de Minas, Itatiaia, canal Beer School (YouTube) e perfil @alemdafarmacologia (Instagram).

